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Euclid, SpaceX, Musk, Twitter e o direito do Brasil à soberania

 

Lançamento do Euclid pela SpaceX no dia 01 de Julho de 2023. Créditos (foto e lançamento: SpaceX)

[Antes de começar, pra quem estiver interessado no Telescópio Espacial Euclid e quiser saber mais sobre o instrumento, a ciência que faremos com ele e suas primeiras imagens, aqui tem um link pra um artigo que eu escrevi pra Revista Brasileira de Astronomia da SAB.]

Há quase dois anos, tive o privilégio de expressar publicamente minha preocupação sobre o Telescópio Espacial Euclid ser lançado pela empresa privada SpaceX, através de uma carta aberta no blog do Prof. Peter Coles, In the Dark. A carta focava nos potenciais desafios de Igualdade, Diversidade e Inclusão (IDI) que a Colaboração do Euclid poderia enfrentar ao investir cerca de $50 milhões de dólares na empresa de exploração espacial privada de Musk. Considerando que a colaboração vinha se comprometendo a resolver questões de IDI, enquanto Musk seguia empenhado em desmontar tais esforços em escala global, eu senti que era essencial trazer essa contradição à tona publicamente. Claro, como esperado, a carta aberta foi recebida com bastante resistência por certos setores da classe dominante acadêmica, mas isso fica pra um outro post no futuro.

    No meu post original no blog do Prof. Coles, ressaltei que havia razões pessoais pelas quais, como um dos únicos brasileiros – e até um dos únicos latinos – na colaboração, ver essa quantia colossal de dinheiro sendo entregue para a empresa do “Kiko dos Foguetes” me incomodava profundamente:

“Pessoalmente, como um dos poucos latino-americanos envolvidos no Euclid, saber que a gente vai fazer negócio com ele é como um tapa na cara. O Musk não tem nenhum respeito pela nossa frágil democracia na América do Sul. Em 2020, por exemplo, ele disse ‘Damos golpe em quem quisermos. Lide com isso’ sobre o golpe contra o presidente eleito Evo Morales, na Bolívia. O contexto é que este golpe foi motivado principalmente pelo acesso às reservas de lítio da Bolívia. Acho essa fala do Musk absurdamente desconcertante, uma lembrança de um tempo (espero) distante de colonização.”

Agora, dois anos depois desse texto e quase dois anos desde que o Musk foi basicamente forçado a comprar o Twitter, muita merda aconteceu que fez aquela carta aberta sobre a SpaceX, Musk e o Euclid ressurgir na minha cabeça. A metáfora do tapa na cara que senti naquela época agora bate ainda mais forte do que nunca.

    Seguinte, se tu tá vivendo numa caverna nas últimas semanas, deixa eu te atualizar: o Xandão (“cachorro do supremo”, segundo Bob Jeff) bloqueou o Xuiter no Brasil com o apoio da primeira turma do STF. Tudo porque o Kiko dos Foguetes resolveu fechar os escritórios do Twitter no Brasil e deixar de apontar um representante legal. Na boa, se tu tá lendo isso aqui em português, não preciso te explicar o que tá rolando. Se quiser, vai no canal do Meteoro Brasil, eles têm vários vídeos explicando a situação. A moral é que o Musk resolveu que f*da-se a lei brasileira, ele tá acima disso. Todo mundo sabe que o buraco é mais embaixo. O Musk nem tenta mais esconder que está se posicionando como uma grande liderança dessa nova onda de extrema-direita e fascismo que tá se espalhando pelo mundo. Pro Musk, esses ataques severos e constantes ao judiciário brasileiro e ao atual governo de centro-esquerda (centro, né…) do PT são um experimento pra transformar o domínio dele sobre o Twitter numa poderosa arma da extrema direita. É claro pra grande parte dos brasileiros (aqueles que não estavam na Paulista ontem, no 7 de setembro) e pra mídia hegemônica internacional que a nossa Suprema Corte não abusou de seus poderes nesse caso do Twitter. O que a gente tá lidando aqui é “apenas” um bilionário megalomaníaco solto por aí. E a soberania brasileira é apenas o seu primeiro alvo teste.

    
Agora, com tudo isso rolando, e deixando de lado o baita estrago que o Musk fez na comunidade AstroTwitterBR ao comprar o Twitter, eu não consigo parar de pensar sobre o Euclid. Sim, claro, nosso golden boy tinha que voar o mais rápido possível. Eu entendo que muitas carreiras de jovens cientistas estavam em jogo (inclusive a minha, na época). Mas valeu a pena? Valeu a pena encher de dinheiro e prestígio uma empresa majoritariamente controlada por um maníaco da extrema-direita? Onde está a nossa responsabilidade social? Ser cientista significa apenas fazer ciência a qualquer custo, sem considerar nada disso? Qualquer dinheiro investido, direta ou indiretamente, no Musk acaba servindo para consolidar sua posição de liderança nessa nova onda fascista enquanto também a fortalece.

    A ciência é política. O neoliberalismo tem trabalhado sem parar para nos fazer esquecer da conexão entre os dois, principalmente aqui no norte global. E, sendo sincero, tem nos vencido nessa batalha. A galera aqui na gringa precisa se dar conta de que, pelo menos em Física e Astronomia, grande parte do financiamento de pesquisa vem de dinheiro público. Temos uma responsabilidade social em como usamos esse dinheiro e como retornamos conhecimento para a sociedade. Um graffiti na frente da UFRGS, onde fiz minha graduação, costumava perguntar para a gente, na entrada da universidade: “para que(m) serve o teu conhecimento?”. Mais uma vez me pego perguntando o mesmo. Para quê e para quem estamos servindo ao enviarmos telescópios espaciais custe o que custar? Fazendo ciência custe o que custar?


Graffiti semelhante com o que eu costumava ver ao ir pra UFRGS dizendo "Para que(m) serve o teu conhecimento?". Tirado daqui.

     A pior parte disso tudo, levando o Euclid em consideração, é que o Twitter não é a única empresa do Musk que recentemente agiu contra a democracia brasileira, nosso Judiciário, o estado de direito e nossa soberania. A Starlink, operada pela SpaceX (a mesma empresa que pagamos para lançar o Euclid ao espaço), inicialmente se recusou a cumprir o bloqueio do Twitter imposto pelo STF e violou a lei ao manter o acesso ao site neo-n*zi. Apesar de agora terem voltado atrás em desrespeitar a soberania brasileira, tudo o que eu conseguia pensar semana passada era que eu fazia parte de uma colaboração científica (à qual contribuo há anos) que pagou milhões para uma empresa que está ativamente agindo para minar a democracia no meu país. E eu nem vou entrar no aspecto de como a Starlink tem contribuído para o genocídio do povo Yanomami. Tem um video muito bom sobre esse assunto lá no UOL.

    Apesar de eu não ter tido nenhum poder de decisão sobre o lançamento do Euclid pela SpaceX, agora, mais do que nunca, sinto o peso da minha responsabilidade social ao fazer parte de uma colaboração que entregou tanto dinheiro a esse maníaco, que continua atacando a soberania brasileira sem parar. Nós, no Euclid, precisamos pensar seriamente em como vamos desfazer o dano que causamos com o conhecimento que vamos adquirir com o Euclid. Nosso impacto social “líquido” precisa ser positivo. Essa é a única coisa que deve ser feita “custe o que custar”. Espero que possamos contribuir mais para a sociedade do que o dano que causamos. Mas eu não estou otimista – o dano foi imenso.

    Quero terminar este texto com um apelo. Eu não tenho nenhum poder de decisão na academia. Minha única escolha (no sentido neoliberal da palavra) é morrer de fome ou vender minha força de trabalho para quem quiser me permitir “fazer cosmologia em troca de comida e de um aluguel a ser pago”. Mas aqueles que têm poder de decisão precisam começar a considerar que não podemos continuar fazendo ciência custe o que custar.


    


Acho que tá na hora experimentar com um blog então

 [Resolvi tentar escrever os posts em duas línguas então bora ver se dá certo isso.  Post original.]

Faz um tempo que eu tenho pensado que preciso de um lugar pra colocar pra fora meus pensamentos sem as restrições dos 280 caracteres do recém-falecido Twitter. Não vou esconder que essa ideia é fortemente inspirada pelo blog In the Dark, do Prof. Peter Coles, que leio e acompanho desde que era estudante de mestrado na USP, lá por volta de 2013. Eu não tenho muitas expectativas de que alguém vá ler este blog, mas também não vou esconder que ele existe e nem o conteúdo do que eu vou escrever aqui — como fiz com outras plataformas que usei no passado para expressar meus pensamentos e sentimentos. Tentar sobreviver nesta academia europeia do capitalismo tardio (talvez pós-capitalista?) não tem sido nada fácil. Minha esperança é que este blog sirva como uma válvula de escape dos “horrores”, chatices e derrotas cotidianas na minha tentativa de sobreviver a esta carreira.

Ou talvez eu vá esquecer deste blog por meses, só pra voltar aqui com aquela falsa promessa de reativá-lo de novo. Sei lá. Quem se importa?!

    A verdade é que, mesmo que esse blog sobreviva, a academia decidiu que eu só tenho mais um ano e meio (mais ou menos) de vida útil. Depois disso, vou ser considerado velho demais para qualquer edital de pesquisa iniciante europeu e sueco. Sem nunca ter sido contemplado por um desses editais, realisticamente, jamais receberei nenhum edital de carreira mais avançado e nunca vou conseguir um emprego estável na academia (se é que isso ainda existe). De certa forma, esse blog serve para documentar minhas lutas tentando sobreviver no que sobrou da academia, depois da dominação cultural completa da contra-revolução neoliberal (essa interpretação pseudo-científica equivocada de seleção natural aplicada ao nosso cotidiano).

    Eu não posso te prometer, meu leitor ou leitora fictício(a), que o que eu vou escrever aqui vai ser interessante. Só o que eu posso prometer (ao menos para mim) é que vou tentar usar este espaço para escrever meus pensamentos sinceros, seja lá o que me vier à cabeça. O que eu quero deixar claro é que vou evitar ao máximo “dar nome aos bois” e tornar qualquer personagem identificável. Quando eu falar de alguma situação que envolva colegas ou acadêmicos hierarquicamente superiores (leia-se, membros da classe dominante acadêmica, aqueles que determinam se nós merecemos ou não dinheiro de pesquisa ou até mesmo um emprego), vou mudar tantos detalhes quanto forem necessários. É possível até que alguns dos personagens ou situações que eu mencionar aqui nem tenham existido. Então, se tu estiver lendo esse blog e pensando “bah, ele tá falando sobre mim!”, possivelmente eu não estou. Mals aí, mas tu provavelmente não é assim tão importante quanto pensa.

    Pra terminar, sobre o nome que escolhi pra esse blog: faz tempo que minha persona nas redes sociais para questões mais públicas tem sido Cosmonist (uma jogadinha de palavras que só meio/meia entendedora vai sacar…). Pra continuar com o trocadilho, imaginei que um lugar onde eu manifeste minhas ideias só poderia se chamar “The Cosmonist Manifest” (“O Manifesto Cosmonista”). Mas isso não tem nada a ver com o “tweet” de 1848 na conta do Marx e Engels… Juro! Bom, como ficou claro com esse post traduzido aqui, vou tentar, inicialmente, escrever posts em inglês e português, ou talvez alguns posts só em uma língua, sei lá. Nem todo post que eu traduzir será ao pé da letra, muito pelo contrário. Mas de fato, algumas coisas fluem melhor pra mim no bom e velho PT-BR. Vamos ver onde esse experimento nos leva. Não sei direito quem eu espero que leia isso e nem se vou ter energia pra manter um blog bilíngue. Mas, novamente, não espero que ninguém vá ler isso aqui. Mesmo assim, vou compartilhar em qualquer vestígio restante de redes sociais que ainda não tenha sido completamente dominado por neo-n*zis.